Definir o Professor Steve Joordens não é tarefa das mais fáceis. Sua ocupação principal é a de professor da classe de Introdução à Psicologia da University of Toronto Scarborough, para uma enorme turma de mais de 1900 primeiranistas do curso de Psicologia. Mas ele ainda encontra tempo para dirigir o Advanced Learning Technologies Lab da UofT, ser um ativo pesquisador nos campos de Psicologia Cognitiva e Psicologia Educacional e, recentemente, lecionar um elogiadíssimo MOOC para mais de 80 mil alunos de todo o mundo.
Para o Rescola, ele falou dessa experiência, das tecnologias educacionais que está desenvolvendo e das suas expectativas para o futuro da educação.
Ah, Steve também manda bem como vocalista e guitarrista da banda The Freakin Lolas. Portanto, esta entrevista merece uma trilha sonora à altura. Aumente o som, aperte o play e boa leitura!
Rescola: Seu primeiro MOOC, Introdução à Psicologia, oferecido pela University of Toronto através do Coursera, foi um grande sucesso entre os alunos. Há uma enorme quantidade de congratulações e agradecimentos nos fóruns e no Facebook. Você já tem os números finais? Quantos alunos se inscreveram? Quantos completaram o curso? Quantos foram aprovados?
Prof. Steve Joordens: A grosso modo, entre 60 mil e 70 mil estudantes se inscreveram no curso no momento em que ele foi formalmente oferecido, mas no total foram mais de 82 mil inscritos. Os alunos continuam a assistir as palestras e aproveitar o curso, apesar do aspecto formal dele já estar encerrado. Desses 82 mil, mais de 59 mil foram considerados “ativos” no curso, o que significa que eles fizeram mais do que apenas apertar o botão de registro. Mais de 2000 estudantes ainda estavam ativos na semana passada [1]! O curso continua na minha ausência.
Na oferta formal do curso, cerca de 45 mil estiveram “ativos”, em algum momento, cerca de 15 mil assistiram cada vídeo, e quase 6 mil receberam o certificado de conclusão, o que significa que realizaram todas as avaliações e obtiveram a nota necessária para aprovação.
[1] Prof. Joordens se refere à primeira semana de setembro de 2013, dois meses após a data oficial de término do curso.
Rescola: Como foi a experiência de lecionar nesse formato? Em que ela difere do ensino em sala de aula?
Prof. Steve Joordens: Ela difere em vários aspectos. Por um lado, as próprias aulas expositivas eram todas menores do que minhas aulas tradicionais, e eu me esforcei bastante para que cada aula focasse em um assunto específico e independente, que fosse, naturalmente, relacionado com o assunto geral maior da Psicologia. Mas talvez o mais surpreendente tenha sido a diferença dos alunos. Às vezes, estudantes universitários acabam na universidade porque não sabem o que mais fazer, e vão parar na minha classe porque ela é compulsória ou porque parecia ser uma boa ideia. Estudantes de MOOCs escolhem especificamente as aulas em que estão interessados e só permanecem na classe se ela mantém o seu interesse, e eles livremente dedicam uma quantidade significativa do tempo de suas vidas ocupadas. Então, eles estão interessados e investidos e é uma verdadeira alegria interagir com eles. É claro que eu também adoro interagir com meus alunos universitários, mas os alunos do MOOC tinham uma vibração diferente. Eles são mais maduros e suas motivações são mais internamente orientadas, e muitos deles têm vidas e carreiras estabelecidas. Então, parece um pouco mais como um grupo de humanos interessados e inteligentes interagindo, comigo guiando essas interações e participando delas, mas não as dirigindo na mesma extensão.
Rescola: Você pretende lecionar outros MOOCs? O que você faria de maneira diferente das próximas vezes?
Prof. Steve Joordens: Bem, a única coisa que nós tínhamos ouvido sobre MOOCs é que eles demandam MUITO tempo para serem feitos direito. Eu investi muitas noites durante meses antes mesmo do MOOC começar, e então muitas mais ficando “plugado” durante a oferta formal em si. Eu adorei, mas é claro que eu também tenho todos os compromissos do meu trabalho normal de tempo integral e não há dúvida de que a oferta do MOOC realmente exigiu muito de mim. Oferecer o mesmo MOOC novamente não seria tanto trabalho, mas ainda seria bastante. Fazer um completamente novo seria repetir toda a carga de trabalho. Tudo isto é para dizer que eu adoraria fazer mais MOOCs, mas preciso encontrar uma maneira de fazê-los permanecendo são e casado e, até agora, não encontrei um jeito de fazer isso.
Com relação ao que eu faria diferente, além de alguns ajustes de pequenas coisas, não tenho certeza se faria muitas mudanças. Nós usamos muitas das nossas ferramentas de tecnologia educacional, porque eu sou um grande fã da aprendizagem ativa e queria trazer mais disso para o mundo MOOC. O único real percalço que tivemos foi para conseguir transferir as notas do nosso sistema para o Coursera, e aprendemos algumas coisas da maneira mais difícil ao fazer isso. Mas eu acho que nós temos isso corrigido agora, então, além de provavelmente adicionar algumas tecnologias ainda mais recentes (ou seja, eu nunca consigo deixar quietas as coisas), acho que em grande parte faria novamente as coisas como fiz.
Rescola: No seu curso, as avaliações foram feitas utilizando plataformas educacionais online que você desenvolveu na Universidade de Toronto. Os testes de múltipla escolha, por exemplo, foram aplicados através do mTuner. Você pode falar um pouco sobre ele?
Prof. Steve Joordens: Claro. Dentro do nosso laboratório de Tecnologias Avançadas de Aprendizagem criamos e avaliamos tecnologias educacionais. Todas as nossas tecnologias são baseadas em pesquisas existentes e, em seguida, aprimoramos a sua eficácia com mais pesquisas específicas sobre a tecnologia em si. O mTuner especificamente é uma ferramenta superalimentada de múltipla escolha que incorpora tudo o que sabemos sobre “avaliação PARA aprendizagem”, para tanto avaliar, quanto aprofundar a aprendizagem.
A ideia é esta. Os alunos nunca ficam mais envolvidos do que quando seu conhecimento está sendo avaliado. Segue-se então que avaliações proporcionam um ótimo contexto para aprendizagem e para corrigir equívocos. Na verdade, um grande número de pesquisas tem mostrado que os estudantes formam conexões entre as questões que vêem e as respostas que escolheram, mesmo quando eles escolheram errado! Assim, o objetivo principal do mTuner é não permitir que isso aconteça, reforçando as respostas corretas enquanto corrige as incorretas antes que sejam aprendidas.
A analogia é com afinar um instrumento de cordas como a guitarra [2]. Quando alguém afina uma guitarra, passa de corda a corda. Se a corda está afinada, legal, passamos para a próxima. Se achamos uma corda fora de afinação, primeiro devemos ajustá-la antes de prosseguir. Ao final do processo, todas as cordas estão em sintonia e o instrumento soa bonito.
Dentro do mTuner, os estudantes são primeiro convidados a oferecer respostas para as perguntas antes de ver as alternativas. Isso inicia sua mente para a aprendizagem, colocando-a em uma atitude de reflexão e reavivamento de memórias. Em seguida, são mostradas as alternativas e se pede que a resposta certa seja apontada. Se ela estiver incorreta, é exibido um curto trecho da aula relevante para a questão e, em seguida, uma segunda chance para receber meio ponto. Antes de avançar, a resposta certa é claramente exibida e é dada outra breve explicação do motivo pelo qual ela está correta. Assim, quando os alunos escolhem certo, eles sabem que estavam certos e por que estavam certos. Se escolhem errado, eles são corrigidos antes que possam começar a acreditar sua resposta errada estava certa.
O resultado é tanto uma nota que reflete o que os alunos sabem, quanto uma experiência de aprendizagem que reforça a aprendizagem acurada, reduzindo equívocos… avaliação PARA aprendizagem.
[2] Tuner significa “afinador” em inglês. O “m” vem de “mind”, ou seja, mente.
Rescola: E em relação ao peerScholar, que foi utilizado para que os alunos avaliassem uns aos outros? Quais as suas principais vantagens?
Prof. Steve Joordens: O peerScholar foi originalmente criado para aproveitar a força da auto-avaliação e da avaliação por pares como forma de ensinar aos alunos como pensar criticamente e comunicar suas ideias efetivamente e eficientemente. Os alunos submetem um texto argumentativo – o que já exercita o pensamento crítico e as habilidades de comunicação – e então eles avaliam o trabalho de um subconjunto dos seus colegas e também avaliam seu próprio trabalho. Isso requer que eles analisem, avaliem, comparem e categorizem; todas habilidades relacionadas ao pensamento crítico. Então eles são requisitados a ajudar cada colega lhes dizendo qual seria a mudança que mais melhoraria seu trabalho, o que exige pensamento criativo e comunicação clara.
No MOOC, o processo se encerrava aí, mas o peerScholar também pode ser usado formativamente. Isso é, os alunos podem ser solicitados a realizar outro passo que envolve a leitura e rating dos comentários que os pares deixaram no seu trabalho e, então, a revisão desse trabalho à luz desses comentários para torná-lo melhor. Quando utilizado dessa forma, os estudantes são fortemente impulsionados a autorreflexão e a engajar suas habilidades metacognitivas.
Dado tudo isso, a ideia por trás do peerScholar é que uma boa experiência educacional é mais do que apenas aprender sobre alguma nova área de conteúdo. Uma boa experiência educacional também inclui a prática com os tipos de habilidades cognitivas que todos nós usamos diariamente para impressionar os outros, expressar nossas perspectivas e vencer debates. Essas são capacidades que estão associadas com sucesso e liderança e eu sinto que é importante incluir a prática delas em cada curso que ensino.
Rescola: Você é um jovem avô de uma linda menininha de pouco mais de um ano de idade, certo? Como você imagina que será a escola dela daqui a 10 anos? E a faculdade daqui a 20? Em que medida ela vai usar coisas como o peerScholar ou os Moocs?
Prof. Steve Joordens: Jovem, é? Obrigado por isso! Na verdade, eu agora tenho duas lindas netas, Ashleigh e Eliana, com a terceira, Jesslynn, chegando em novembro. A girl band que vou empresariar na minha aposentadoria já está quase completa! Ha!
Algumas das tecnologias que temos criado, inclusive o peerScholar, estão agora sendo usadas por todo o Canadá e começando a se espalhar pelo mundo. Nós conhecemos os benefícios da aprendizagem ativa a muito tempo, mas acho que só agora estamos começando a construir com propósito e testar apropriadamente tecnologias que podem permitir que os professores incluam componentes de aprendizagem ativa sem que eles precisem investir ainda mais do seu tempo do que já investem, e sem que eles próprios tenham que se tornar experts em tecnologia. Essas ferramentas precisam ser tanto poderosas, quanto fáceis de usar, e sua efetividade precisa ser documentada.
Então, sim, eu acho que minhas netas irão aprender ativamente e que ferramentas como o peerScholar, o mTuner e o Digital Labcoat [3] irão lhes proporcionar experiências de aprendizagem mais ricas do que as que tivemos quando éramos crianças, e espero que isso as torne pensadoras críticas e comunicadoras por natureza. Além disso, espero que os caminhos do aprendizado continuem a crescer e a se diversificar. MOOCs capacitam estudantes a escolher seus próprios caminhos de aprendizado. Minha esperança é que esse tipo de aprendizagem conduzida pelo estudante, uma noção defendida a muito tempo atrás por Isaac Asimov, se torne formalmente reconhecida. Isso é, eu vejo os estudantes podendo escolher. Aqueles que apreciam e se beneficiam do tipo de estrutura que uma universidade oferece terão a opção de aprender dessa forma, enquanto aqueles que preferem guiar a si próprios pelo caminho do aprendizado serão capazes de fazer isso de forma a ver suas realizações validadas e certificadas. Há muitos desafios a superar para permitir que isso ocorra, desafios associados com integridade acadêmica e coisas do tipo. Mas essa é a minha esperança para elas. E eu espero que elas aprendam a tocar “Rockin in the Free World!” [4]
[3] O Digital Labcoat (ou “Jaleco Digital”) foi outra ferramenta desenvolvida pelo Prof. Steve Joordens utilizada no MOOC Introdução à Psicologia. Ele simula o processo de pesquisa científica, permitindo que os alunos compreendam como ela é feita em um laboratório real.
[4] “Rockin in the Free World” é a música do cantor canadense Neil Young que colocamos no início desse post. O seu título significa algo como “Mandando ver no mundo livre”.
Excelente! Bela iniciativa.