Quando Sam chegou em casa reclamando de achar suas aulas desinteressantes e sem propósito, sua mãe provocou: “Bom, então porque você não cria sua própria escola?”.
Algumas semanas depois, o “Projeto Independente”, uma escola-dentro-da-escola projetada e dirigida pelos próprios alunos, na Monument Mountain Regional High School, em Great Barrington, nordeste dos Estados Unidos, iniciava seu semestre piloto.
Quer saber o resultado? Assista o vídeo abaixo e leia o restante deste artigo.
A insatisfação que Samuel Levin sentia em relação à escola, e que via refletida na maioria dos seus colegas, era derivada de algo nada incomum nas salas de aula: desinteresse pelos objetos de estudo e, consequentemente, um aprendizado cheio de falhas e inconsistências.
Motivado por isso, e pela provocação de sua mãe, o garoto procurou a direção da escola com um projeto ambicioso. Segundo suas próprias palavras:
“[A] intenção era projetar uma escola na qual os estudantes estivessem completamente engajados e apaixonados pelo que estivessem aprendendo, tivessem a experiência de verdadeiramente obter maestria sobre algo, ou desenvolver expertise em algo, e onde estivessem aprendendo a aprender.”
O ingrediente principal para atingir esse objetivo seria a apropriação, pelos estudantes, do controle do seu próprio processo de aprendizado.
A direção da escola, talvez para a surpresa de Sam, acolheu a ideia e autorizou o desenvolvimento de um projeto piloto, durante um semestre. O grupo inicial tinha 8 alunos, dos 3 últimos anos de High School (equivalentes ao 1º, 2º e 3º ano do ensino médio no Brasil). O desempenho escolar prévio não foi levado em conta no processo de admissão. Assim, o grupo tinha desde alunos que tiravam nota máxima na maioria das matérias, até outros que obtinham notas bastante ruins.
O Programa
O “Projeto Independente” começou com uma primeira semana de “descompressão”, com atividades que tinham por objetivo desmontar as estruturas mentais e pré-concepções que os estudantes, naturalmente, formaram após mais de dez anos de ensino tradicional e prepará-los para a liberdade e responsabilidade de assumir o comando do seu próprio processo educacional.
Após esse período inicial, os alunos dividiram seu tempo na direção de três objetivos:
- O estudo de conteúdo acadêmico;
- Uma “Empreitada Pessoal” de longo prazo, e;
- Uma “Empreitada Coletiva”.
Conteúdo Acadêmico
O estudo do conteúdo acadêmico tradicional ocorreu durante as manhãs das primeiras quinze semanas do semestre (de um total de 18). A divisão desse conteúdo se deu de uma forma muito menos fragmentada do que nas escolas tradicionais. Os estudantes consideraram que há duas formas básicas de abordagem do conhecimento: Ciência e Arte. Basicamente, uma “Ciência” é algo sobre o qual você questiona, enquanto uma “Arte” é algo que você pratica. Dessa forma, na primeira metade do semestre eles estudaram Ciências Naturais (tradicionalmente, química e biologia) e Ciências Sociais (história, geografia, sociologia), e, na segunda metade, Artes Literárias (inglês, literatura, dramaturgia) e Artes Matemáticas (!).
O processo de estudo foi o mesmo durante todo o período. Nas segundas-feiras, cada estudante escolhia uma questão sobre o assunto da semana. Segundo Peter Boyce, um dos estudantes do grupo piloto, “O mais importante sobre essa pergunta é que você realmente precisa querer saber a resposta. Se a pergunta é sua, descobrir a resposta vai fazer você se sentir ótimo.”. Então, cada estudante deveria pesquisar durante as manhãs dos dias seguintes, da forma que preferisse: pesquisa em livros ou na Internet, conversa com professores ou experts ou através de experimentação direta. Finalmente, eles deviam apresentar o resultado para o grupo na sexta-feira para, ao mesmo tempo, prestar contas do que aprenderam e ensinar aos demais. “Meu objetivo em cada apresentação é ser o mais cativante possível e tornar o meu interesse pelo assunto o mais contagiante possível – tentar fazer todo mundo se interessar”, explica Peter.
Empreitada Pessoal
Em paralelo ao estudo de conteúdo acadêmico, as primeiras quinze semanas do semestre também foram dedicadas às Empreitadas Pessoais. Ao contrário das questões que eram exploradas durante uma semana, a Empreitada Pessoal, à qual os estudantes se dedicavam durante a tarde, era um projeto de longo prazo, a ser concluído no final do semestre. Os estudantes eram completamente livres para definir qualquer projeto, como, por exemplo, escrever um romance, construir um barco, fazer um filme ou realizar um experimento científico mais complexo. A única exigência é que a empreitada escolhida deveria ser algo que realmente lhes entusiasmasse.
Os estudantes também eram livres para planejar a agenda e a execução do projeto, mas haviam reuniões periódicas onde todos reportavam seu progresso e discutiam suas dificuldades. A maioria deles afirma que essa pressão do grupo é muito mais forte e mais eficiente do que a pressão que recebiam para entregar os trabalhos tradicionais da escola, em troca de notas, e que isso fazia com que sua dedicação ao objeto de estudo fosse muito maior.
Ao final das quinze semanas, os estudantes deveriam fazer duas apresentações finais sobre suas Empreitadas Pessoais. A primeira era para o grupo, que fazia fortes críticas e sugestões de melhorias. Após o refinamento final, baseado nesse feedback dos colegas, havia uma outra apresentação para um público externo, de aproximadamente oitenta pessoas, geralmente formado pelos demais alunos e professores da escola.
Segundo Sam Levin, “A natureza pública, performática e celebratória da noite servia como uma barra para elevar a qualidade das empreitadas a um patamar mais alto do que elas teriam chegado de outra maneira, e proporcionar um contexto para dar forma a algumas das empreitadas mais abstratas. Por exemplo, o estudante cuja empreitada era escrever uma novela tinha um objetivo muito claro: escrever uma novela. Entretanto, o estudante cuja empreitada era aprender culinária poderia perder foco e direção, se não tivesse que trabalhar em direção à apresentação final, que era preparar uma refeição para oitenta pessoas.”
Empreitada Coletiva
Por fim, nas últimas três semanas do semestre, o grupo trabalhava durante todas as manhãs e tardes em uma Empreitada Coletiva. A ideia era que o grupo explorasse qualquer problema da comunidade ou do mundo e oferecesse uma solução para ele. A turma do semestre piloto elegeu a “Educação” como tema e decidiu realizar um documentário que discutia alguns problemas do atual sistema educacional e oferecia a experiência do Projeto Independente como uma possível solução.
Os resultados
Segundo os participantes do Projeto Independente, o resultado foi excelente. Após concluírem a High School, muitos foram aceitos em algumas das mais concorridas universidades americanas, além de terem recebido contato de mais de 80 escolas dos Estados Unidos e de outros países, interessadas em replicar o projeto.
Mas, certamente, os benefícios mais profundos foram as habilidades que os estudantes conquistaram e cultivaram durante o projeto. Em um paper que descreve a experiência e seus resultados, Sam Levin diz que:
“Os estudantes aprenderam como conduzir pesquisas e utilizar o método científico, como pensar matematicamente, como ler e discutir literatura, e como escrever em resposta ao que leram. Eles aprenderam como organizar seu tempo e estruturar sua jornada de trabalho, e como refletir sobre e monitorar seu próprio trabalho. Eles também adquiriram maestria sobre algo e, ao fazer isso, aprenderam como dominar um assunto. Eles aprenderam como comunicar seu pensamento e como criticar e instigar seus colegas. Finalmente, os estudantes aprenderam a aprender, aprenderam a ensinar e aprenderam a trabalhar.”
Saiba mais sobre o Projeto Independente dos alunos da Monument Mountain Regional High School (conteúdo em inglês):
- White-paper de Sam Levin descrevendo o projeto e seus resultados.
- Documentário “The Independent Project”, de Peter Boyce.
- Porque os alunos deveriam estar no comando: Sam Levin no TEDxOxford.
- Blog-portfolio da turma de 2012.
E você, o que acha? Uma experiência similar daria certo na sua escola? Permitir que os alunos assumam o comando do seu processo de aprendizado é uma ideia arriscada, ou uma educação que não lhes proporcione autonomia é um risco ainda maior?
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Adorei este artigo e ele me estímulou a ler os outros escrito por vc. Parabéns!
Sou ativa neste tema de “estimular os jovens a fazer/ pensar diferente ” .
Sou Coach e Palentrante e um dos meus trabalhos é apresentar a importancia de preparar os jovens para a escolha da carreira. Acho que essa seria uma atividade extra curricular que deveria estar na grade do ensino médio. Eles saem da escolha “bem formados” mas não tão nem “informados ” !
Convido vc a bater um papo, quem sabe podemos trocar alguma ideia legal!
caso se interesse fique com meu email posso lhe mandar um artigo que escrevi
elisabeth_arc@hotmail.com
Abs e parabéns
Olá, Elisabeth,
Obrigado pelos comentários. Nós adoraríamos ler seu artigo. Se você puder, envie para rescola@rescola.com.br.
Um abraço.
Para vencer a estrutura convencional, venho trabalhando no projeto Transversal do GEL (Grêmio Estudantil Lítero Musical, Esportivo, Ecológico, Comunitário) sob a gestão da Associação de Pais e Mestres, ocupando o espaço escolar nos fins de semanas, feriados e dias santos. Bases estão nos livros postados na internet: http://www.kaxambah.blogspot.com e o Segredo da Princesa, com o subtítulo A ROSA AZUL E O FANTASMA AMARELO. O primeiro livro serviu de base, também, para o Terceiro Manifesto da Educação no Brasil, que segundo a Educadora Ely Pachoalicki, segundo sua postagem na sua página no Facebook “Era tudo que pensava, era tudo que queria”. Grado. Pela atenção.
Excelente!!!!
Trabalho com formação de professores e há muito temos discutido a questão da participação do aluno como ativo em seu processo de construção da aprendizagem. Este artigo vem de encontro com o que trabalhamos como Projeto de Aprendizagem, onde o professor é o instigador e mediador do processo conduzido pelos alunos. Adorei!!!
Olá, Licia. Muito legal ver que mais e mais educadores estão se preocupando em incentivar a autonomia dos alunos. Espero que o artigo seja útil no seu trabalho. Obrigado. 🙂
Já existe uma escola que trabalha dentro desses moldes. Escola da Ponte em Portugal. Lá os alunos se organizam em grupos a partir de um tema e estudam por duas semanas, ao final, é discutido e avaliado o estudo. Não existe series, é uma escola transgressora.
Muito Interessante. Um menino aos 5 anos na pré-escola afirma que as próprias crianças deveriam dar aula, pois os adultos não lhe entendem. Hoje, ele tem 8 anos e todo o dia ele não quer ir a escola porque acha que a escola é uma prisão sem grade. Ele afirma, “mãe fique uma tarde lá e verá”. A mãe sabe, mas o que fazer? A escola é pública e com professores sobrecarregados. Quanto tempo está criança aguentará até enfim ser domesticada.
de 1957 a 1964, eu estudei no Colégio de Aplicação da UERJ (Rio de Janeiro). O colégio foi montado a partir de um grupo inicial de alunos do qual eu fazia parte. No início com 3 turmas de 30 alunos, tinha mais professor do que aluno e nós alunos nos sentíamos muito valorizados e éramos sempre consultados. Foi uma experiência fantástica
Fantástico. Estou realizando na escola onde sou diretor um projeo semelhante, com jovens considerados difíceis, do 2° ano EM. Mas na percpectiva di trabalho coletivo. Inspirado na metidologia O Valor do Amanha, projeto Jovem de Futuro, do Instituto Unibanco.
Jose Geri, Bela Cruz/Ce
O que é mais interessante no artigo foi perceber que houve autonomia da escola para optar realizar o projeto proposto pelo aluno. Acredito que seja essa autonomia que falta nas escolas. O que vemos hoje são programas comprados de empresas, que se dizem mágicas, para melhorar o ensino sem que isso passe pelo crivo de quem está lá nas salas de aula.
Foi essa autonomia que possibilitou que tudo isso acontecesse.
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